domingo, 4 de março de 2012

Carminho

Um amigo meu perguntou se eu tinha livros para a doação para um projeto social. Respondi que só precisava verificar, mas que achava que sim.
Olhando para a minha vastíssima biblioteca de tres prateleiras encontrei os livros para a doação. Encontrei também livros que foram muito divertidos na minha infância e que eu ganhei de uma pessoa muito querida.
Desde pequena eu fui uma pessoa sozinha. Era a única menina no meio de meninos, o que gerava uma segregação ~natural. A falta de prática levou à uma inabilidade social, que não consegui contornar até hoje. Não que eu pareça uma psicopata, é mais um sentimento de Creep, do Radiohead. Mas também sempre fui uma pessoa curiosa, com tendencia ao pedantismo. E essa curiosidade me levava á uma dependendia dos adultos à minha volta nos meus 4 anos.
Um dos adultos á minha volta era a Carminho. Irmã de minha madrinha, Carminho era uma professora aposentada de seus 80 e poucos anos. Não tinha tido filhos e eu e os meus irmãos era o mais próximo de netos que ela poderia ter. Minha mãe cuidava dela e de minha madrinha na nossa infancia, o que nos levou a conviver muito com ela.
Carminho havia sido professora. mesmo que fosse pela gramactica antiga, ela sabia alfabetizar uma criança. Lá estava ela com todo o tempo disponivel e com uma criança sedenta por conhecer o mundo: assim foi a minha alfabetização.
O processo técnico da alfabetização durou dois meses, mas foram anos que Carminho gastou para incentivar o meu gosto para leitura. É certo que ela imaginasse que eu fosse me tornar uma Luisa de "Primo basilio" ou uma madame Bovary: uma leitura de romances romanticos. Mas ela dava tudo o que aparecia na frente para eu ler. Algumas primeiras leituras infantis ela fazia questão de discutir comigo o conteudo, ou seja, ela não forjou só o processo mecanico da leitura, forjou o processo crítico também. E de lá eu peguei gosto por essa coisa de ler e entender o que estava escrito. E gostava também da sensação de conhecer novos lugares, viver outras vidas que não fossem as minhas. Gostei tanto que em algum momento eu decidi que a minha profissão seria a de leitora.
E aí eu olho para os livros e penso que talvez alguém pudesse se interessar por algumas estórias, mas outras foram encomendadas tão sob medida para mim, que pessoa nenhuma nesse mundo pode ter dimensão da importância daquelas palavras naqueles papéis. Juntei livros sim, alguns até que me foram dados pela Carminho. Mas outros, esses eu não poderia me livrar tão cedo. Porque carminho já falecera há mais de 10 anos, mas se tem um lugar que ela pode viver além da minha memória, é naqueles livros.

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